Estamos no fim do ano lectivo. O calor aperta e o trabalho dos professores, também. Decorrem as últimas aulas, os professores redobram ou triplicam os esforços para conseguirem manter os alunos concentrados nas aulas e para os ajudarem num último esforço de recuperação de eventuais dificuldades ou de preparação para exames; a correcção de trabalhos de avaliação impõe-se; a preparação das avaliações finais, com as suas múltiplas tarefas e o peso da responsabilidade inerente, está na ordem do dia. A componente individual do seu trabalho (aquela que diz respeito à preparação de aulas e materiais, de correcção de trabalhos de avaliação, etc., e que pode ser feita em casa e, por isso, para uma grande parte da opinião pública nem existe) se, ao longo do ano, para muitos docentes, foi sempre superior ao previsto no seu horário, correspondendo, portanto, a trabalho não reconhecido e não pago, redobrou igualmente ou triplicou.
E eis senão… quando surgem as provas de aferição. A sua vigilância é, para muitos professores, a substituição das aulas que iriam dar de manhã e que não vão existir. Para aqueles cujo horário se centra na tarde, a vigilância das ditas provas constituirá mais algumas horas de trabalho oferecidas ao Estado, pois estas não serão, nesses casos, consideradas horas extraordinárias.
Não pensem, no entanto, que este artigo é um queixume ou um protesto. Não! Sendo sabido que o humor é excelente para a saúde mental e fornece energias, os professores aplicadores das provas de aferição (os que as vão vigiar) receberam um documento do GAVE (Gabinete de Avaliação Educacional do Ministério da Educação) que, explicando pormenorizadamente todos os procedimentos que os docentes devem adoptar, o faz com muito humor. Estou, portanto, grata por ser professora aplicadora, pois de outra forma talvez não tivesse tido acesso a esta obra. Nela, os professores recebem (com destaque, pela grossura da letra e por estar dentro de uma caixa com o título “ATENÇÃO”) a seguinte instrução relativamente ao que deverão transmitir aos alunos: “Não procure decorar as instruções ou interpretá-las, mas antes lê-las exactamente como lhe são apresentadas ao longo deste Manual” (p. 8). Os docentes não podem, portanto, dar instruções aos alunos pelas suas próprias palavras, devendo, em vez disso, ler-lhes o que, para o efeito, se encontra já em discurso directo, dentro de caixas destacadas do resto do texto, para que, aos professores, não restem quaisquer dúvidas sobre o que é para ler em discurso directo aos alunos e sobre o que é para ler (em silêncio ou em voz alta, a forma de leitura é omissa) só para si mesmos. Recebem também instruções sobre a forma de ler aos examinandos, que deverá ser “pausada” e “em voz alta”.
Perfilhando a ideia de que as coisas boas devem ser partilhadas, transcrevo algumas das muitas passagens do documento “Provas de Aferição Manual do Aplicador – 1º e 2º ciclos do Ensino Básico”, que retirei do endereço electrónico
http://www.gave.min-edu.pt/np3content/?newsId=7&fileName=pafer_manualaplic_1__2_ciclo_2007.pdf, no dia 20/05/07. Utilizarei as instruções do 1º ciclo, uma vez que as do 2º ciclo são muito semelhantes, em alguns casos, e iguais, nos restantes. Como já referi, as tais instruções que os professores devem ler aos alunos encontram-se sempre dentro de caixas, tal como acontece nas transcrições que se seguem:
- Primeira transcrição (p. 11):
· Assim que os alunos acabarem de preencher os cabeçalhos, leia pausadamente e em voz alta:
Agora que já têm o cabeçalho devidamente preenchido, relembro que:
- não podem copiar nem falar com os vossos colegas, porque este trabalho é individual;
- a prova é constituída por duas partes;
- vão ter 45 minutos para responderem a cada uma das partes da prova, e eu aviso 15 minutos antes do final de cada parte; quando este tempo terminar, não poderão escrever mais nada;
- entre as duas partes da prova, vão ter 25 minutos de intervalo;
- a primeira página da prova termina quando encontrarem uma página a dizer PÁRA AQUI! Quando chegarem a esta página, não podem voltar a folha;
- durante a segunda parte, não podem responder a perguntas a que não responderam na primeira parte.
Querem perguntar alguma coisa? Fui claro(a)?
- Segunda transcrição, em que apenas são apresentadas as três últimas instruções de um conjunto de várias (p. 15):
· Leia em voz alta o seguinte:
(…)
Não podem usar corrector nem corrector nem “esferográfica-lápis”.
Podem começar.
Bom trabalho!
- Terceira transcrição (p. 24), é a “pérola” com que decidi encerrar este conjunto de citações e refere-se ao final da prova, após ela já ter sido recolhida. É de salientar que as duas frases do discurso directo se encontram num tipo de letra maior e em negrito. Segue-se a citação:
· Mande sair os alunos, lendo em voz alta:
Podem sair. Obrigado(a) pela vossa colaboração!
Não questionando a necessidade de objectividade na aplicação das provas, que passa por haver regras uniformizadas, não quero pensar que a imagem que o GAVE faz dos professores é a que transparece da forma como lhes é dito que transmitam as instruções aos alunos: tão incompetentes que não conseguem descodifcar instruções deste tipo e transmiti-las aos alunos de forma compreensível e isenta, tão mal-educados que não cumpram as fórmulas da boa educação, tais como os agradecimentos, sendo, por isso, necessário incluir os discursos directos referidos para que os alunos percebam bem as tarefas que devem executar e para que sejam tratados com educação e respeito pelos docentes. Prefiro mesmo pensar que o GAVE quis aliviar a tarefa dos professores (que reconhece ser pesada), tornando-a mais agradável através do humor.