Exma senhora ministra da educação,
Não tecerei este texto à volta da palavra indignação, embora me sinta indignada. Ela tem enchido as ruas, as avenidas e as praças deste país e isso não parece demover a senhora. Não usarei muitas palavras a não ser as estritamente necessárias para lhe dar conta, senhora ministra, que a minha perplexidade perante a situação que a educação está a viver não se diz só com palavras, pois as mesmas palavras que se dizem, também precisam de ser ouvidas. É necessário que se passe à acção. Como estratégia pedagógica e exercício de competências dos vários saberes, pois os curriculares não se sobrepõem aos sociais, e aos da agora denominada inteligência emocional muito menos, sempre privilegiei, junto dos meus alunos, as actividades que lhes dêem para lá do saber curricular e escolar, uma dimensão social das suas aprendizagens com tudo o que o social tem de dinâmico e estruturalmente crítico. Por isso, eles escreveram muitas vezes para as várias instâncias da escola, mesmo as que estão mais distanciadas, incluindo para a senhora ministra, dando conta de situações que na escola não estavam a favorecer as suas aprendizagens. Neste momento, uma e talvez a mais reiterada das suas argumentações é que compreende toda a revolta dos professores, pois a situação não é para menos, com mais trabalho, mais trabalho e mais trabalho… Mas, também diz a senhora ministra que não dá para adiar mais a tão panaceica (perdoe o neologismo) mudança para a escola do sucesso. Então, senhora ministra, sendo verdade que a situação é esta, conforme reconhece, acha correcto, acha justo, acha educativo mesmo, que seja num destes momentos, assim descritos por si, que os professores tenham que se submeter a provas de avaliação em várias frentes? Não será que o exercício do aprender e do ensinar e que toda a vida escolar requer substancialmente uma fundamentação e uma praxis minimamente humanista e um campo de actuação harmonioso e pacífico? Já que é no contexto escolar que toda esta história se passa, chego até a pensar da perversidade que seria, eu encher os meus alunos de trabalhos, com tarefas impensáveis, complexas e impossíveis de cumprir em tempo real, (as noites e os dias continuam com a mesma dimensão temporal) e depois de os ver estafados, vencidos pelo cansaço e desesperados, dar-lhes uma prova e pedir-lhes candidamente: “ Vá, meninos, agora façam o vosso melhor, eu sei do que são capazes, e acreditem que mesmo que isso vos custe muito, é para o sucesso das vossas vidas escolares e pessoais que toda esta mudança e todo este esforço vos está a ser proposto”.
Sou uma professora titular com assento numa estrutura nobre que é o Conselho Pedagógico, generosamente assoberbada com a coordenação, na escola,de três Áreas, sendo que uma delas, pela sua especificidade e dificuldade, requer todo o meu tempo e dedicação, para lá do que é aceitável. Não pude manifestar-me na rua por impedimentos de circunstâncias pessoais, mas, senhora ministra, não é verdade, como parece poder inferir-se do seu discurso, que os professores que não foram para a rua, aqueles que estão nas escolas querem ir para a frente com todo este processo de avalanche, custe o que custar.
Neste mesmo órgão da escola, não irei aprovar este processo da avaliação do desempenho do professor, como já não aprovei o anterior, relacionado com o novo estatuto do aluno, agora suspenso pelo seu ministério, como já contestei situações que não me pareceram justas nem correctas. Com uma carreira, já longa e devotada aos meus alunos e ao meu sucesso pessoal,uma não se desliga da outra, não só como professora, mas também como ser social, crítico e afectivo, reitero por isso, que nada farei na parte final deste meu percurso, que ponha em causa o que um dia me fez escolher este caminho: Professor é coisa de quem ousa fascinar-se, ouvi um dia, um dos meus metodólogos afirmar, e eu acrescento, sem retirar força a este argumento, que ser professor neste momento, é também e talvez mais, coisa de quem ousa ousar…
Fernanda Rego (coordenadora do jornal escolar)
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