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"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." Ensaio sobre a cegueira (citado de Livro dos Conselhos), José Saramago, Nobel da Literatura "A escola é fonte sagrada De sacrossanta bebida, Bebei todos desta fonte Na primavera da vida." Nas Horas Vagas, Joaquim Moreira da Silva, poeta popular Que estranha cegueira domina os nossos governantes? A cegueira branca da obra de Saramago, agora nos cinemas portugueses? Que estranha cegueira não lhes permite reparar que, se 120 mil professores, 80% da classe docente, se encontram na rua a protestar contra a política educativa, não faz qualquer sentido dizer (como Maria de Lurdes Rodrigues) que esses intimidam a maioria que faz a escola funcionar e cumprir as leis? Admitindo que os outros 20% estão de acordo com a política ministerial (o que não é verdade para todos os casos), esses são claramente uma minoria. Clima de intimidação é o que surge com as ameaças de não progressão na carreira aos professores que se recusem a dar cumprimento aos vários passos da avaliação docente. Sim, as escolas vão funcionando. Quem as faz funcionar? Os professores: os 80% mais os 20%. Mas... funcionam bem? Serão as queixas de sobrecarga de reuniões e de papelada e burocracia em excesso culpa das escolas, como sugeriu a Ministra da Educação no dia 8 de Novembro, enquanto desfilavam 80% dos docentes em protesto contra a sua política burocratizante? A burocracia nas escolas é de tal ordem que começou a ser notícia nos jornais e preocupação de figuras públicas e cronistas da nossa imprensa. Olhemos para factos e números, com atenção, e reparemos neles: - 8/11/2008 - 120 mil professores (80% da classe docente) saem à rua manifestando-se contra o Estatuto da Carreira Docente e contra a avaliação de desempenho dos docentes, precisamente 8 meses depois de 100 mil professores já o terem feito. O que antes tinha sido classificado como "o impossível tornado realidade", essa gigantesca unidade, foi superado. - As reformas antecipadas de docentes aumentam exponencialmente, ficando muitos deles extremamente penalizados. Se em 2007 se reformaram 3300, em 2008 o número já ultrapassa 5000 e muitos encontram-se em linha de espera, num ritmo crescente. - Um estudo da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, publicado em Setembro, na revista Saúde Mental, incidindo sobre um universo constituído por docentes de Lisboa, mostrou que, entre eles, existe um número muito maior de indivíduos sofrendo de depressão do que se passa com o resto da população (42,4% contra 29,8%). Entre os docentes abrangidos por esta investigação, 24% consomem psicofármacos, mantendo muitos deles os sintomas depressivos. - O CNE considera que se deve legislar no sentido de se acabar com os "chumbos" em Portugal. Valter Lemos responde que não há necessidade, pois lá se chegará, sem ser preciso legislação específica. - O Estatuto do Aluno permite a alunos com faltas injustificadas beneficiarem de medidas correctivas e fazerem uma prova de recuperação ("de natureza oral, prática ou escrita", Ofício-circular n.º 14/08 DREN, de 06/10/2008), que poderá ser repetida em caso de não aprovação. Depois, as faltas anteriores serão "esquecidas", recomeçando-se o processo, de falta em falta, de prova em prova, até à eventual passagem final. Serão estes factos coincidências? Haverá relação entre eles? Se olharmos, virmos e repararmos, é inevitável fazer associações e tirar conclusões. "A escola é fonte sagrada/De sacrossanta bebida", a bebida do saber, do conhecimento. O conhecimento adquire-se num contexto relacional que se quer positivo e fruto de um trabalho intencional preparado por especialistas: os professores. Essa é a missão que eles prezam e a que dão toda a sua energia e alma. Essa não é a missão que hoje lhes é facilitada nas escolas. Olhemos novamente os factos, para tirarmos conclusões: - O Estatuto da Carreira Docente dividiu os professores em titulares e não titulares, separando-os por via de critérios que nada têm a ver com a sua formação ou preparação específica para os cargos que os esperam, poupando muito dinheiro ao estrangular a subida na carreira: a maior parte não ascende aos escalões com melhor remuneração. - Os professores titulares, os mais velhos, os que ganham mais, são obrigados a aceitar cargos e submersos numa burocracia que antes não era tão acentuada no desempenho dos mesmos. Afogados nessa burocracia, que os faz trabalhar noite e dia, dia sim dia sim, muitos professores não aguentam este desvio de uma vida dedicada ao ensino, à relação pessoal e pedagógica com os alunos, e acabam por pedir a reforma antecipada, para salvarem a sanidade mental. E o Estado poupa, pois muitos reformam-se antecipadamente, com grandes penalizações. Vão-se os professores mais caros e ficam os mais novos, com remunerações bem mais baixas (embora também vítimas do excesso de trabalho e de burocracia). A Presidente do C.E. da Escola Secundária Infanta D. Maria, de Coimbra, e os encarregados de educação manifestaram-se já publicamente preocupados com a possibilidade de virem a perder o lugar de primeira escola pública do ranking nacional, devido ao fim da estabilidade do corpo docente, um dos ingredientes básicos para esse sucesso, pois muitos professores estão a reformar-se. - Um dos factores para os professores progredirem na carreira é a melhoria dos resultados dos seus alunos. Quem se vai arriscar a não o cumprir? Por outro lado, a burocracia que rodeia cada "chumbo" é enorme: desde vários relatórios até à necessidade de aprovação pelo Conselho Pedagógico de cada caso de retenção, tudo dificulta essa medida. Há ainda o facilitismo, patente na "repescagem" sucessiva dos alunos com faltas injustificadas, por exemplo, ou no milagre da recuperação dos resultados dos exames nacionais. Razão tem, portanto, Valter Lemos, quando diz que se chegará à inexistência de retenções sem necessidade de legislação específica. Entretanto, poupou-se dinheiro, porque não se investiu em medidas de recuperação autênticas e generalizadas (implicando contratação de mais professores), como, por exemplo, apoiar individualmente os alunos que, logo no início da escolaridade, começam a apresentar dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita, dificilmente resolúveis num nível mais avançado e muito limitadoras de aprendizagens futuras. Eu, professora, confesso que, hoje, na escola, não vivo: sobrevivo. O único sítio onde sinto vida é a sala de aula. As reuniões e os papéis são o inferno a pagar por essas horas de vida. Por olhar, ver, reparar e sentir, é com mágoa que vejo a escola fechar-se e deixar secar a "sacrossanta bebida" que a todos devia oferecer. Por outro lado, é com esperança que vejo uma classe tradicionalmente tão contida nos seus protestos agigantar-se e lutar pela qualidade da escola pública, pelo seu sonho profissional: o de ensinar e contribuir para a formação de cidadãos, fazendo da escola, de novo, uma "fonte sagrada". Em defesa da escola pública se vão juntando aos professores os alunos e os encarregados de educação. A crescente lucidez da comunidade educativa contrasta com a persistente cegueira dos governantes. /in Educare.pt |
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